O esquema de Machado

O esquema de Machado

A seguir você vai encontrar algumas questões que farão você refletir sobre a análise de Antônio Cândido sobre os aspectos formais da obra de Machado de Assis, Quincas Borba.

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1

Antônio Cândido explicita que a escolha de Machado pelo foco narrativo que opta pelo narrador em terceira pessoa compõe um aparente arcaísmo da técnica, contrária as modas dominantes. Esta afirmação aponta para:

A potência da literatura Machadiana cujo narrador se coloca intervindo na narrativa com bisbilhotice, conversando com o leitor e rindo dele, estilo que marca a imparcialidade do narrador. Ao ser imparcial, há o distanciamento do narrador da realidade, mesmo em terceira pessoa, novidade na literatura.
O fato de que Quincas Borba é um romance que narra a si próprio, isto é, o narrador faz uso da técnica de espectador, está ausente, e por isso deixa as coisas meio no ar, criando inclusive certas perplexidades não resolvidas, motivo de seu arcaísmo.
O estilo incompleto, elíptico e fragmentário de Machado de Assis, que interfere na objetividade da narrativa e no inventário que faz da realidade, por isso foi considerado um escritor menos brasileiro que os outros.
A potência da literatura estrangeira que faz uso do foco narrativo em primeira pessoa, como em Madame Bovary de Flaubert, quando o narrador se coloca dentro da narrativa e o romance ao narrar a si próprio amplia o poder do narrador sobre os fatos.
2

"Perdoem-lhe esse riso. Bem sei que o desassossego, a noite malpassada, o terror da opinião, tudo contrasta com esse riso inoportuno. Mas, leitora amada, talvez a senhora nunca visse cair um carteiro. Os deuses de Homero - e mais eram deuses - debatiam uma vez no Olimpo, gravemente, e até furiosamente. [...] Deixemo-la rir, e ler a sua carta da roça" (Capítulo LIII). Este capítulo exemplifica:

O problema da identidade do narrador que é um dos problemas fundamentais da sua obra, implicando sempre nas questões: quem sou eu? O que sou eu? Em que medida eu só existo por meio dos outros?
A técnica da intervenção do narrador na narrativa, motivo da modernidade de Machado de Assis, que opera um corte na narrativa para apresentar uma reflexão, uma digressão, a qual amplia por meio da ironia a ambiguidade da obra.
A linguagem Machadiana, que ao fazer uso da ironia aponta para a originalidade da obra agravada pelos limites da razão e da loucura que envolvem o narrador.
A técnica dos aforismos desencantados, trazendo a tona os tormentos do homem e a iniquidades do mundo que aparecem sob um aspecto nu e sem retórica, agravados pela imparcialidade estilística.
3

"Rubião viu em duas rosas vulgares uma festa imperial, e esqueceu a sala, a mulher e a si. [...] Sofia não viu mais que duas flores mudas. [...]" NO capítulo CXLI, apreciamos o diálogo entre as duas rosas. Sobre este episódio podemos inferir que:

Esse conflito existencial é temática de obras shakesperiana, em especial Hamlet e Otelo, lançando sobre o capítulo um enigma que é resolvido pela personagem Sofia ao reconhecer no capítulo seguinte, CXLII, a natureza complexa do ser humano.
O dialogo das rosas traz à baila o conflito interior pelo qual passa Sofia, cujos sentimentos antagônicos a fazem ao mesmo tempo desejar Rubião e repeli-lo. Este episódio pode ser considerado um exemplo da técnica da sugestão empregada por Machado assim como uma evidência da construção de um enredo escorregadio, tendo em vista que ele emerge os demônios íntimos das personagens.
A loucura de Rubião o permitiu enxergar uma festa imperial e a racionalidade de Sofia não a permitiu ver mais que duas flores mudas. Mas há um diálogo entre as rosas, na sequência, que sinaliza que Sofia se afetou pelas palavras de Rubião tornando-se uma mulher mais sensível, evidenciando que é possível mudar a teoria do Humanitas.
Machado de Assis faz uso da técnica da sugestão para trazer um fato real - a paixão de Rubião - em contraposição a um fato imaginado - a paixão de Sofia - suscitando não um mundo escorregadio onde os contrários se tocam e se dissolvem, mas um mundo onde o capitalismo dissolve todas as ambiguidades.
4

"Queria dizer aqui o fim do Quincas Borba, que adoeceu também, ganiu infinitamente, fugiu desvairado em busca do dono, e amanheceu morto na rua, três dias depois. Mas, vendo a morte do cão narrada em capítulo espacial, é provável que me perguntes se ele, se o seu defunto homônimo é que dá o título ao livro, e por que antes um que outro - questão prenhe de questões, que nos levariam longe..." (Capítulo CCI). Este último capítulo de Quincas Borba propõe:

A manutenção do enigma sobre o nome do livro, tendo em vista que não é feito nenhum esclarecimento sobre o nome do romance, e sim sobre a morte do cão. O narrador - na primeira pessoa - ri novamente do leitor e de suas emoções, reforçando que pouco importa os sentimentos humanos.
Que o narrador também enlouqueceu, de terceira pessoa passa a atuar em primeira pessoa, reforçando a impossibilidade de se estabelecer os limites da razão e da loucura e do arcaísmo da técnica de Machado.
Uma reflexão sobre a morte do cão Quincas Borba, esclarecendo que o nome do romance se deu tendo em vista o cão e não o dono Quincas Borba, refutando assim qualquer premissa de que a teoria Humanitas pode ser implementada em uma sociedade escravocrata.
A atenção para fatos imaginados e fatos reais, tendo em vista que a morte de Quincas Borba (fato real) gerou o infortúnio do seu cão (fato real) e a partir da realidade um fato imaginado - a dedicação de Rubião ao cão - não se concretiza. Há novamente uma tênue relação entre o que aconteceu e o que pensamos que aconteceu, reforçando o mundo escorregadio machadiano.
5

"Sofia reconstruiu a caleça velha, onde entrou rápida, donde desceu trêmula, para esgueirar-se pelo corredor dentro, subir a escada, e achar um homem - que lhe disse os mimos mais apetitosos deste mundo, e os repetiu agora, ao pé dela, no carro, mas não era, não podia ser o Rubião. Quem seria? Nomes diversos relampejavam no azul daquela possibilidade." (capítulo CLIV). Este capítulo e o CLIX revelam uma angústia de Sofia, seus demônios neles são expostos. A sua interpretação nos permite observar que:

A técnica do espectador aqui enfatiza o tratamento psicológico que Machado dá às suas personagens tendo em vista que Sofia, nesses capítulos, revela seus demônios e tormentos, deixando explícito que a tensão entre o que aconteceu e o fato imaginado são os limites para a loucura. Não há como escapar dela quando as ideias estão fora de lugar.
A ambiguidade psicológica de Sofia suscita um mundo escorregadio, onde os contrários se tocam e se dissolvem. Por isso, sua dedicação e fidelidade ao marido é posta a prova, pois o mundo sendo muito misturado, a verdade também o é, então não importa se houve ou não adultério, pois o que Machado quer é evidenciar a perfeição estética de sua obra, a obra completa e total o que revela sua impotência diante do mundo e sua opção pela sátira e pela ironia.
Machado de Assis tem um estilo picante, que aborda não apenas problemas sociais, econômicos e políticos da época, mas também frivolidades que reforçam a teoria Humanitas.
Machado de Assis trata da temática do adultério lançando um enigma sobre a integridade de Sofia. Apesar de não haver indícios de uma traição de fato, há o desejo forte de Sofia em se relacionar com outros homens evidenciando o mundo escorregadio das personagens Machadianas, lançando mão da técnica da sugestão que revela sua verdadeira obsessão: revelar a verdade sobre os modos sociais, sobre como o favor corrompe o homem brasileiro.
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